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quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Bom dia



Pintei num papel o dia
Escolhi as flores
E os aromas
As cores e as roupas
Ruas, prédios e casas
E tua janela ainda fechada

Pintei os rios
Pontes e praças
Mendigos na fila
Nos bancos
Dondocas nas filas
Dos bancos
Meninos trocando
Bala por grana
E tua janela ainda fechada

Fiz a praia
O peixe e o mercado
O mau cheiro, as moscas
Os passos
Lembrei-me das brocas
Abrindo buracos
Buzinas e trânsito parado
E tua janela ainda fechada

Pintei meu sorriso
No branco restado
Ofertei um carinho
num forte abraço
Envolvi numa pedra
Com muito cuidado

E, quem diria?
Quebrei a janela
Ainda fechada
melhor forma
Por mim encontrada
De dar meu bom dia
De cores e traços


sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Para Miró


- Mão na cabeça, vagabundo, você está preso!
Esbraveja a polícia atrás de mim.
- Mas o que eu fiz? Pergunto eu estarrecido.
- Essa poesia, marginal.

Dodô Cavalcante




PS.: Miró é um poeta de Recife. Um dos principais nomes do movimento de poesia marginal da capital pernambucana.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Para além de clichês



Para além de clichês
eu lhe amo
não por você ter
aquilo que busco
ou por todas as fraquezas
que possas vir a ser
não é porque sorri
e com hálito matinal
oferta-me bons dias
nem mesmo o vazio
pós-brigas
e a sensação infantil
de ter feito merda
não é por ser poeta
e você a musa
tão verdadeiramente
eu lhe amo
não apenas como Maria amando
Madalena
Sob as bençãos de Deus menino
Eu lhe amo para além de todos os clichês
E também para além disso


Dodô Cavalcante

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Lembranças de hoje


Pensava em mim enquanto o céu se enfeitava de nuvens carregadas. Minha avó dizia que a chuva era o pranto dos sofredores. Acumulados, somavam-se em nuvens já que pediam aos céus alento para seus pesares. Uma vez transformados, choviam. Era o que os céus entendiam por alento. De fato, no Recife ou em Olinda a chuva é motivo para esquecer qualquer problema... ela passa a ser um. Coisas do céu. Ele escreve certo por linhas tortas, dizem. Lembro de ter perguntado à minha avó se o nome científico de algumas nuvens ser cummulus, se devia ao fato de serem acúmulos de prantos, ao que ela sorrindo de lado respondia: “sim, meu filho. É provável.” Como era esperta a minha avó! Hoje eu a acho sábia. O céu hoje é meu. Foi só começar a pensar em mim e ele escureceu. “Uma coisa leva a outra”, disse-me a ultima brecha azul. Era a mesma voz da minha avó – doce, porém, fatalista. Era aquela brisinha num dia escaldante de verão. Como se dissesse que o sorriso é apenas um consolo para tanta amargura – no que a vida se transformou. Vovó me dizia que sorria muito porque era responsável por consolar os outros, que um sorriso contagia e estimula outros sorrisos. Mas eu fui ser poeta, não haveria de alentar ninguém. O céu foi claro comigo: “uma coisa leva a outra”. E nem era fim de tarde, nem pensava em amores, nem na situação política do país, tampouco nas dificuldades do cotidiano causadas pelos excessos de normas, rótulos, expectativas e coisas assim mas porque tudo pode vir a ser poesia.