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quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Perfil


Sorriso fácil. Crente no amor feito de sol
que nasce e se põe todos os dias
Menino de flor, sonho amarelo
menino de sol

Reinvenção dos deuses

Moradia de pecados

Acalanto de demônios



Dodô Cavalcante

Poema I


Tem dia que o céu é todo nuvem
é quando vai chorar
eu ando nublado ultimamente
e é perceptível
pelo tremor dos meus versos
certa vez me disseram
que além das nuvens havia sol
e se for noite? Noite sem lua?
não haverá muito pra se ver
senão as poucas estrelas
sobreviventes da guerra
homem e natureza
sobejos dos céus dessa urbe-luminária
por isso vou embora pro sertão
porque lá chove pouco
e a chuva tem mais valor
e quando a lua falta
as estrelas ficam num assanhamento só
Vixe



Dodô Cavalcante

Um demônio entre deuses.


Ah, quantas mesas viradas enquanto bebia meu café matinal! Enquanto as pessoas de bem tranqüilamente terminavam seu desjejum e conversavam sobre as novidades da última noite e de suas aventuras amorosas corroídas pela maresia celeste. Era notório que todos me olhavam sorrir cinicamente com o canto da boca celebrando meu feito, e o enfeitavam de suas fantasias. “É louco, certamente! Do que ri? Estamos a falar tão sério que chega a ser uma descompostura fora de série manter esse sorrisinho despreocupado.” Rio até sem necessidade desta franca e débil observação.
Ah, se eles soubessem os motivos reais do meu sorriso de canto! Ah se conseguissem perceber as idéias advindas dos dizeres e comportamentos ante as coisas do dia a dia.
Virava a mesa do café da manhã quase todos os dias. Calado e imóvel sem que ninguém notasse, mas virava. E com que prazer fazia isso! Destruía tudo: pires xícaras, garrafas, talheres... Chutava o pão e o vinho, cuspia nos pratos e ninguém percebia. Meus maiores trunfos eram o silêncio e a discrição com que expressava meus tormentos e incômodos a tudo aquilo que vinha deles, simplesmente por não suportar tais novidades ao acordar.
Tudo o que se poderia notar da minha intolerância era meu o sorriso de canto. Notava-se o sorriso, mas não seus motivos. O que se pode querer ouvir após ter sonhado de tudo ou mesmo após uma terrível noite de insônia? Mas tudo bem, viro tudo o que puder virar, mas quieto. Isso é um segredo meu. São meus demônios. E chego a ser ciumento em relação a eles. Não os toquem, por favor!
Chega de novidades!Respeitem um pobre demônio entre milhões de deuses! Essas coisinhas com as quais se entretêm e até se consomem parecem-me tão cheias de manchetes, colunas e horóscopos diários. Novidades? Paciência! No Máximo uma nova forma de dizer as mesmas coisas todos os dias. Sempre mudando, para variar – ô ironia! Já, já não se espera mais nada de vocês – de ninguém – por se esperar qualquer coisa. E depois fica todo mundo igual pelo resto da vida: trabalhando para se aposentar, remoendo não-feitos de outrora, paixões inquietantes empoeiradas na memória descolorida pelo tempo, tempo este que era bom quando se mudava achando que ia mudar o mundo, quando se vivia mudando o tempo todo.
Não sou contra mudanças nem novidades, não. Pelo contrário, sou adepto das mudanças e das novidades de verdade. Dessas que não são motivadas por modas, sabe? Dessas mudanças cuja única condição é a de que todo mundo goste junto, ou melhor, mude junto, eu não gosto. Dessas que eu vejo nas ruas de Recife (principalmente de Recife) onde se passa da exaltação ufanista quase totalitária do regional para um deslumbramento quase abestalhado pelas idéias pós - modernas de “eu” descentralizado e poder microfísico, da sexualidade reflexiva do pessoalzinho do “Bonde do Foucault” lá do Burburinho – opa, perdão, Bar Central ou frontal, se for o caso – eu não agüento. Principalmente as manchetes matinais sobre a noite anterior das quais falava no início. Lembrando: só é legal se todo mundo achar legal. Em Recife é assim, mudança só a que os grupinhos da nova vanguarda cultural aprovar.
E lá se vão as nossas Naras subindo os morros com suas saias de chita e os Joões fazendo sua parte. Certos, mais que certos, decerto.
Amanhã tem mais novidades no café da manhã. E haja mesa para virar. Haja cinismo para encarar as mesmas manchetes lidas nos mesmos jornais de novas edições. O melhor a fazer é não demonstrar nada. Virar silenciosamente a mesa enquanto degusto meu desjejum. Gole a gole, saboreando meu trunfo escondido no meu sorriso de canto. Os demônios fazem bem, e nos guardam, salvam-nos com certeza. Os deuses, por muitas vezes, nos atormentam, nos enfraquecem e entediam. Bem aventurados sejam meus demônios, será deles o reino dos céus.

Amém.



Dodô Cavalcante