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quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Um demônio entre deuses.


Ah, quantas mesas viradas enquanto bebia meu café matinal! Enquanto as pessoas de bem tranqüilamente terminavam seu desjejum e conversavam sobre as novidades da última noite e de suas aventuras amorosas corroídas pela maresia celeste. Era notório que todos me olhavam sorrir cinicamente com o canto da boca celebrando meu feito, e o enfeitavam de suas fantasias. “É louco, certamente! Do que ri? Estamos a falar tão sério que chega a ser uma descompostura fora de série manter esse sorrisinho despreocupado.” Rio até sem necessidade desta franca e débil observação.
Ah, se eles soubessem os motivos reais do meu sorriso de canto! Ah se conseguissem perceber as idéias advindas dos dizeres e comportamentos ante as coisas do dia a dia.
Virava a mesa do café da manhã quase todos os dias. Calado e imóvel sem que ninguém notasse, mas virava. E com que prazer fazia isso! Destruía tudo: pires xícaras, garrafas, talheres... Chutava o pão e o vinho, cuspia nos pratos e ninguém percebia. Meus maiores trunfos eram o silêncio e a discrição com que expressava meus tormentos e incômodos a tudo aquilo que vinha deles, simplesmente por não suportar tais novidades ao acordar.
Tudo o que se poderia notar da minha intolerância era meu o sorriso de canto. Notava-se o sorriso, mas não seus motivos. O que se pode querer ouvir após ter sonhado de tudo ou mesmo após uma terrível noite de insônia? Mas tudo bem, viro tudo o que puder virar, mas quieto. Isso é um segredo meu. São meus demônios. E chego a ser ciumento em relação a eles. Não os toquem, por favor!
Chega de novidades!Respeitem um pobre demônio entre milhões de deuses! Essas coisinhas com as quais se entretêm e até se consomem parecem-me tão cheias de manchetes, colunas e horóscopos diários. Novidades? Paciência! No Máximo uma nova forma de dizer as mesmas coisas todos os dias. Sempre mudando, para variar – ô ironia! Já, já não se espera mais nada de vocês – de ninguém – por se esperar qualquer coisa. E depois fica todo mundo igual pelo resto da vida: trabalhando para se aposentar, remoendo não-feitos de outrora, paixões inquietantes empoeiradas na memória descolorida pelo tempo, tempo este que era bom quando se mudava achando que ia mudar o mundo, quando se vivia mudando o tempo todo.
Não sou contra mudanças nem novidades, não. Pelo contrário, sou adepto das mudanças e das novidades de verdade. Dessas que não são motivadas por modas, sabe? Dessas mudanças cuja única condição é a de que todo mundo goste junto, ou melhor, mude junto, eu não gosto. Dessas que eu vejo nas ruas de Recife (principalmente de Recife) onde se passa da exaltação ufanista quase totalitária do regional para um deslumbramento quase abestalhado pelas idéias pós - modernas de “eu” descentralizado e poder microfísico, da sexualidade reflexiva do pessoalzinho do “Bonde do Foucault” lá do Burburinho – opa, perdão, Bar Central ou frontal, se for o caso – eu não agüento. Principalmente as manchetes matinais sobre a noite anterior das quais falava no início. Lembrando: só é legal se todo mundo achar legal. Em Recife é assim, mudança só a que os grupinhos da nova vanguarda cultural aprovar.
E lá se vão as nossas Naras subindo os morros com suas saias de chita e os Joões fazendo sua parte. Certos, mais que certos, decerto.
Amanhã tem mais novidades no café da manhã. E haja mesa para virar. Haja cinismo para encarar as mesmas manchetes lidas nos mesmos jornais de novas edições. O melhor a fazer é não demonstrar nada. Virar silenciosamente a mesa enquanto degusto meu desjejum. Gole a gole, saboreando meu trunfo escondido no meu sorriso de canto. Os demônios fazem bem, e nos guardam, salvam-nos com certeza. Os deuses, por muitas vezes, nos atormentam, nos enfraquecem e entediam. Bem aventurados sejam meus demônios, será deles o reino dos céus.

Amém.



Dodô Cavalcante

4 comentários:

  1. Excelente texto. Já que pode falar de política aqui e tu não atende mais o telefone... sonhei com Dilma. Eu almoçava com ela. A gente saia do restaurante em Campo Grande e ia pro carro, mas ela tinha estacionado muito longe. Apressei o passo pra pegar o carro pra ela, numa demonstração de gentileza, e quando viro pra trás ela ta apontando uma arma pro carro, tinha três ladrões dentro. Os caras fugiram de bicileta. Quando a gente entrou no carro os ladrões vieram pra cima de novo, aí Dilma atirou de dentro pra fora, só que o carro era blindado... acho que foi uma falha de nossa presidenta hein! Sorte nossa não termos sido atingidos pelo próprio tiro. De resto correu tudo bem, e ela salvou minha vida com esta faceta dela de agente disfarçada que eu desconhecia. Mas ela precisa ser melhor treinada. Atirar de dentro de um carro blindado é de lascar né Dilma!

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  2. Bom, caro Harten, acho que seu devaneio nunca seria na verdade... esqueceu que nossa presidenta foi guerrilheira? hahaha Mas se aperreie, não! Não precisa voltar p corrigir o sonho... Sonhos, sonhos são - nas palavras de Chico Buarque.
    Ah, obrigado pelo elogio.

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  3. Demorei pra entender o "Sonhos, sonhos são"! Demorei mesmo... acho que minha capacidade intelectual não está muito compatível com o nível de discussões proposto para este ambiente. Aliás, ou é compatível ou não é. Não tem essa de muito, pouco, meio, ou mais ou menos, né verdade? Um dia vou criar um blog bem ao meu estilo...

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